Noehenza...ou "a viagem"...são devaneios, escrita, gritos, palavras, canções, contos de gentes, vidas, bichos, terras e caminhadas por este canto de Africa a que hoje em dia já chamo de "casa"...esta terra vermelha, quente e humida que com o cheiro das queimadas e ao sabor de uma manga verde viu nascer a minha filha e fez crescer os meus dois rapazes debaixo de cajueiros e os vê correr aos tres por entre massalas e canhús com um sorriso estampado proprio de quem vive em Africa...

Nem sei por onde começar...e as vezes nem o que dizer...a verdade é que por mais que fuja do computador acabo sempre sentado a frente dele... de uma forma ou outra será talvez um obrigatorio da minha metade civilizada que há alguns anos trocou o papel e a caneta ou o simples "carvão" recoberto de madeira por um teclado frio e isento de vida que acaba por me consumir segundos, minutos e horas de vida quando não estou no mato...e assim nascem estas cronicas, por entre algum ocio e outro tanto mau jeito...

Perdoem-me os poetas e os eruditos da escrita por alguma falta de jeito que aqui se denote, e outros por uma ou outra susceptilidade ferida em algum discurso menos a gosto de quem o ler...sabendo que desencanto espero que tambem encante e acima de tudo faça sonhar e viver quem por cá ja passou, passa ou passará...

Ingwenha...pelas margens do Zambeze...

Uma semana "suada" que valeu bem a pena...

Numa calma tarde de Março, entre boa companhia, contos de  historias passadas , mentiras vividas e algumas Laurentinas toca o telefone com um daqueles numeros compridos, com indicativos estranhos,  prenuncio de chamada de outras paragens...

"Inchicane mulungo!"

...num Machangana atrapalhado em tons de saudade de Africa e um sotaque tipico de quem vive algures em Italia..."...recordas-te daquele crocodilo que vimos o ano passado? Este ano quero um igual!"

Conheci o Joe no ano anterior, que na altura acompanhava um amigo num safari a um tal  elefante em Chemba, na Provincia de Sofala...mais tarde nesse mesmo ano e após longas conversas  matinais arrastadas pela noite a dentro por alguns camarões ou uma ou outra matapa de caragueijo ao sabor de um bom branco ou verde fresco, acabei por guia-lo numa caçada muito "particular" a um Mvuhu zambeziano...digo "particular" porque se existe uma defenição de caçador de aventura, ao Joe assentar-lhe-ia como uma segunda pele se não mesmo como a personificação do termo em carne e osso!!!
"Nuno...aqueles "Ingwenhas"...aqueles do Delta...não sei... ficaram-me na memória!!!Se tiveres tempo para mim este ano, adorava ter a oportunidade de tentar um...mas da mesma forma que o hipopotamo!", findas estas palavras e com o que se avizinhava era mandatorio pedir mais uma cerveja...ou duas... para empurrar a conversa fiada que ali se desenrolava...
Margens do Delta do Zambeze - Chiramba Moçambique
Tomadas as devidas diligencias, os preparativos foram curtos como é apanagio deste homem cuja a unica exigencia é passar o cada minuto no mato e cujas mordomias são uma rede mosquiteira e uma capulana para dormir onde calhe, ou onde o sono vencer a alma pois o corpo, esse certamente ficará longe, batido pelo cansaço de horas continuas em caminhadas sem fim...
Em finais de Abril, e passadas algumas horas sob a egide das tecnologias deste seculo por entre teclados e ecrans e uma ou outra chamada telefonica daquele vil aparelho portatil destruidor de privacidades e noites bem dormidas, já o sol nascia com vista para o Zambezi,  acordando o rio que o acolhe com cores e  tons indiscritiveis iluminando uma paisagem repleta de sons e melodias matinais que rompe abruptamente o silencio da madrugada...
Nascer do Sol no Delta
Após o ultimo descanso, sempre falso, pois a emoção deixa-se adivinhar em olhos que não se fecham e num revoltear de um lado para o outro pelo colchão estranho de uma cama empresta, qual pouso noturno  numa terra longinqua... é tempo de partir ,rio a dentro á procura do crocodilo do Joe...
 Agua, alguma comida, redes mosquiteiras e um ou outro cobertor juntam-se ás armas, munições e restante equipamento de caça...viajamos leves...com o Joe é assim, simplicidade acima de tudo, apenas com o essencial para uma caça pura em comunhão com a terra que viu nascer a vida...caminhar, sentir, ver, ouvir e acima de tudo viver a caça...de uma forma pura como já pouco se faz hoje em dia...um regresso ás origens, á liberdade dos grandes espaços, ao cheiro da terra virgem, sem gente, sem vedações, sem doutrinas, livre de toda aquela dialectica humana que nos condiciona dia a dia...o objectivo aqui é o lance, a peça e as memórias que perduraram até aos ultimos dias...nada mais...isto sim é caçar!

Tiago Muienga, barqueiro, pisteiro e bom homem!
Deslizamos no rio pelas mãos do Tiago, o nosso barqueiro nesta jornada...humilde de natureza, aqui cresceu e trabalhou com o Pai, ora na faina ora na machamba em alguma ilha mais fertil neste labirinto de formas e curvas sem fim ao qual conhece cada margem e cada curva como quem conhece os cantos da sua casa...


Ingwenha patrão? Humm...lá...longe nas areias...maningue!!!



Esta aventura tem um outro objectivo associado...não só o reptil que desde o ano anterior assaltava os sonhos do Joe como um personagem não planeado das suas peliculas noturnas roubando-lhe o sono por mais de uma vez  mas tambem a procura de uma prenda especial para a moça da sua afeição...uma pedra...uma pedra original, unica e diferente, foi aquilo que a sua Dulcineia lhe tinha pedido como espolio desta incursão pelas Africas e a qual o nosso Quixote tomou como cruzada juntando o util ao agradavél  pois á falta de maxilares para mastigar  a refeição, os crocodilos engolem pedras que depois de depositadas no estomago os ajudam a desfazer a carne das suas presas... estas rochas dão por vezes magnificos adornos, e reza a tradição que protegem o caçador dos mais variados  muloís, de facto um poderoso xicuembo sem duvida merecedor de um lugar ao peito da afamada donzela.

Mvuhu, ou o cavalo do rio...